A Declaração Universal dos Direitos Humanos e sua história – por Rodolfo Jacarandá

Em 2018 comemoramos 70 anos desde a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Apesar de todas as dificuldades, a ideia de construir um fundamento universal para servir de padrão de dignidade para toda a humanidade continua a desafiar nossa capacidade de realização.

O enorme desafio que tornou possível a DUDH é desconhecido, contudo, da maioria das pessoas – inclusive dos especialistas na matéria.

Embora a Comissão de Direitos Humanos da ONU, sob a chefia de Anna Eleanor Roosevelt, tenha entrado para a história como a responsável por levar o texto à aprovação da Assembleia Geral em 10 de dezembro de 1948 – numa extensa votação de mais de 4 horas – coube à UNESCO o trabalho de pesquisa e elaboração da base do texto que chegou à votação.

Direitos e filosofia

O Diretor-Geral da Unesco, Julian Huxley, indicou o jovem diretor da recém-criada subseção de Filosofia e Humanística para conduzir o trabalho de organizar uma “conferência de filósofos” entre o começo do ano de 1947 e 1948, com a finalidade de debater e criar um texto para o que viria a ser a DUDH.

Havet tinha apenas 27 anos de idade e apesar da formação superior em Filosofia ele era inexperiente em tarefas desse gênero.

O trabalho de Huxley e Havet foi conduzido sob enorme pressão do tempo. Em 27 de março de 1947 eles enviaram ao governo de diversos países o “Memorandum UNESCO/Phil/1/1947”, convidando agentes políticos e intelectuais a opinarem, em no máximo 4.000 palavras, sobre os valores e fundamentos que deveriam constar de uma lista de direitos universais a ser discutida numa “conferência de filósofos”.

Essa lista deveria servir de base para a Declaração. Em 31 de julho de 1947 a subseção de Havet relata para a UNESCO um esboço do texto da Declaração, afirmando que a preparação desse documento estava sendo um trabalho bem mais complexo do que parecia no início.

As cartas de direitos

Havet e Huxley enviaram cartas a pensadores e intelectuais das mais diversas áreas do conhecimento de todo o mundo, incluindo T. S. Eliot, Bertrand Russel, Gandhi, John Dewey, Merleau-Ponty e Sartre.

Das pouco mais de 150 correspondências menos de 60 respostas retornaram.

T. S. Eliot respondeu a Huxley afirmando que uma declaração como a que estavam concebendo seria um verdadeiro ‘tecido de ambiguidades’, cujas consequências poderiam ser ‘maliciosas’.

Dentre os filósofos franceses mais importantes consultados somente Jacques Maritain respondeu à solicitação e trabalhou ativamente na redação final da DUDH, cabendo a ele escrever a introdução da Declaração e uma boa parte da estrutura geral do texto final.

A votação

Apesar de todo o esforço de Huxley e Havet, Maritain acabou reconhecido pelo trabalho de harmonização do conjunto do texto final.

Mesmo com todo o trabalho realizado pela subseção de Filosofia, e com nomes mais experientes como o jurista canadense John Humphrey e os filósofos franceses René Cassin e Maritain à frente do trabalho, foram necessários 168 diferentes resoluções submetidas a debates nos encontros do Terceiro Comitê da Comissão de Direitos Humanos até que o texto final chegasse à votação na noite do dia 10 de dezembro – onde obteve 48 votos a favor e 9 abstenções.

O esforço daqueles meses pode parecer ingênuo aos olhos de hoje: trocar cartas e telegramas; ouvir opiniões; construir consensos muito difíceis entre povos, culturas e interesses políticos tão diversos.

Maritain chegou a afirmar que a Declaração somente seria possível se não perguntássemos aos seus múltiplos autores os motivos pelos quais estavam escolhendo um direito em vez de outro. Talvez – ele pensava – jamais pudéssemos nos entender sobre os motivos; mas havia uma chance de nos entendermos sobre os objetivos finais.

Desafios contemporâneos

Ainda hoje estamos por aqui buscando colocar em prática objetivos tão simples como não deixar ninguém morrer de fome; não torturar; não deixar sem socorro ou ajuda quem foge de uma guerra; não abusar; não maltratar; não escravizar; não perseguir por opiniões; ajudar; promover o bem; nos solidarizarmos com a necessidade de construir um mundo em que cada indivíduo seja respeitado pela igual identidade que dividimos, membros todos da mesma espécie, filhos todos da mesma história.

Sem a ideia de direitos humanos nosso alcance desse ideal seria ainda mais limitado do que, infelizmente, ainda hoje em dia. Vida longa à Declaração!

(Quem quiser saber mais sobre a história e as discussões filosóficas contidas no trabalho de elaboração da DUDH pode acessar meu artigo “Fundacionismo filosófico dos direitos humanos”, publicado na Revista Ethic@, da UFSC e compartilhado aqui: https://rodolfojacaranda.com/publicacao/o-fundacionismo-filosofico-em-direitos-humanos/ )