O desaparecimento do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira, no Vale do Javari, no Amazonas, coloca, mais uma vez, em evidência, os altos índices de violência na Amazônia Ocidental, região compreendida pelos estados de Rondônia, Acre, Amazonas e Roraima.
O caso guarda muitas semelhanças com um outro episódio ocorrido em 2017, em Canutama, sul do Amazonas, divisa com o estado de Rondônia.
Naquele episódio, um ex-brigadista do ICMBIO, Flávio de Lima de Souza, e dois camponeses, Marinalva Silva de Souza e Jairo Feitosa, desapareceram numa área de terras federais, região de conflitos agrários.
No caso do desaparecimento de Flávio, Marinalva e Jairo foram meses até que as famílias obtivessem uma resposta das autoridades sobre a abertura oficial de uma investigação.
Nem sempre o desaparecimento forçado ocorre em regiões inóspitas, de difícil acesso. Esse foi o caso do desaparecimento de Ruan Lucas Hildebrandt, que em 2016 desapareceu depois de ser atacado por seguranças de uma fazenda em Cujubim, Rondônia, junto com outros 4 amigos, durante uma reintegração autorizada pela justiça. O corpo de Alysson Henrique Lopes, que não conseguiu fugir, foi encontrado horas depois, carbonizado, dentro de um carro.
Nessa porção ocidental da Amazônia, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o estado de Rondônia é o campeão em desaparecimento de pessoas, ostentando a 3ª maior média do país nos últimos 10 anos.
Em 2020, Rondônia só ficou atrás do Distrito Federal, com 60 desaparecimentos por 100 mil habitantes. Somente em 2019 e 2020 mais de 2300 pessoas desapareceram em Rondônia.
Somando RO, AC, RR e AM, apenas em 2019 e 2020, mais de 4550 pessoas desapareceram.
Nesse mesmo período, os 4 estados reportaram que apenas 240 pessoas foram encontradas – pouco mais de 5% desse total*.
O desaparecimento de Bruno e Dom revela ainda uma outra face desse enorme problema: a relação entre os desaparecimentos e a identidade muito particular dos conflitos amazônicos.
Esses conflitos são causados pela ameaça permanente a comunidades tradicionais e povos indígenas.
Eles são agravados ainda pelo avanço da grilagem de terras, pela extração ilegal de madeira, pelos garimpos ilegais e pelo aumento da procura por rotas de transporte de cocaína, provenientes da Colômbia, do Peru e da Bolívia.
Grandes regiões, antes isoladas e bem protegidas, vem se transformando em novos alvos para todo tipo de ilegalismo.
Esse movimento tem sido fortalecido ainda pela fragilização dos meios de controle e de proteção do meio ambiente provocados pelo governo federal nos últimos anos.
Em 2021 o IBAMA utilizou apenas 41% do orçamento para fiscalização ambiental e outros órgãos importantes, como ICMBIO e FUNAI, tem perdido, sistematicamente, pessoal e receita.
Em abril de 2020 a FUNAI publicou uma instrução normativa (n. 9) que torna mais fácil a venda de terras que estejam em disputa com indígenas, cujos processos de demarcação não estejam finalizados ou estejam aguardando finalização.
Esse foi apenas mais um grande passo normativo dado na direção de destruir os mecanismos já frágeis de proteção a territórios indígenas. A FUNAI possui hoje mais de 2330 cargos vagos, contra apenas 1717 servidores na ativa.
O Vale do Javari é a região com a maior concentração de povos isolados ou em isolamento voluntário do planeta.
Na Amazônia brasileira, os registros da FUNAI apontam 114 povos isolados ou em isolamento voluntário, como são chamados os indígenas que vivem afastados de outros grupos, indígenas ou não. Somente no Vale do Javari seriam 16 povos (segundo o Instituto Socioambiental esse número pode chegar a 26).
O avanço dos grupos extrativistas de madeira e pesca e a multiplicação de áreas de garimpo ilegal coloca cada um desses povos em risco de extinção.
Esse processo de exploração predatória e indiscriminada das riquezas naturais da Amazônia não ocorre sem que a participação do Estado seja decisiva: a destruição deliberada dos meios de proteção e defesa funciona não apenas como sinal de que
Conforme aumenta a pressão por ocupação e exploração das terras e vegetações ainda intocadas, a política sistemática de destruição dos mecanismos de defesa da região é um sinal evidente de que a curva de ilegalismos seguirá crescendo, sem maiores obstáculos.
Por trás do desaparecimento de Bruno e Dom existem muitos indicativos de que a violência na Amazônia Ocidental seguirá aumentando.
*O número de pessoas encontradas em 2019 e 2020 não se refere, necessariamente, às pessoas que desapareceram em 2019 e 2020. Os estados ouvidos não informaram como esse dado é produzido. Os dados sobre desaparecimentos estão no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2011 a 2021.